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A Excepcional Moda de Graça Ottoni

Atualizado: 14 de jun.

De tempos em tempos, nós da Versi Têxtil, optamos por revisitar contatos e resgatar memórias de pessoas que inspiram e influenciam nossa trajetória na moda. O blog, como muitos sabem, é belorizontino e nada mais justo do que trazer para alcance nacional a visibilidade da peculiar moda mineira.


A matéria de hoje, escrita a partir de uma entrevista feita em encontro presencial, tem intuito principal enaltecer mais uma estilista que tanto nos encanta com a delicadeza de seu trabalho e sua personalidade confiante: Graça Ottoni.


Foto: Estilista Graça Ottoni fotografada por Marcio Rodrigues.


Estar de volta com o showroom no endereço atual foi (como você disse em entrevista ao Estado de Minas) uma volta às origens, por se tratar de um imóvel da família e por ter sido a loja e o ateliê da marca nos anos 1980. Você acha que sua origem é uma fonte de inspiração? É possível criar moda com significados sem assumir as origens?


"Bem... possível é, mas não terá tanta originalidade. Tudo que a gente faz, uma hora ou outra, volta e expõe nossa origem. É o que estrutura quem somos e nos torna, de certa forma, únicos. Nossa origem influencia as escolhas e caminhos que fazemos e com isso nosso trabalho reflete nossas raízes."


"Se você parar para pensar muitos artistas e estilistas, assim como Christian Lacroix, por exemplo, mencionam sobre suas origens, sobre a região que viveu em suas criações. A moda tem uma certa empáfia que as pessoas acham que precisam ter pra estar na moda ou pra fazer moda. Eu não sei de onde as pessoas tiraram isso. Negam a origem a favor do status e se perdem nesse processo."


Graça é de Teófilo Ottoni, nasceu e cresceu em uma casa e em uma época em que tudo era muito simples, onde não chegava energia direito. "O fogão era a lenha, era tudo muito precário... tudo muito manual, inclusive as máquinas de costura" - conta a estilista mineira. E era nisso que ela acha que estava o encanto das coisas, completa sua fala relembrando o passado contando que seus brinquedos eram inventados e produzidos manualmente, isso abriu espaço para a imaginação e incentivou muito o seu gosto pela criação e pelo trabalho manual.


Foto: Ateliê Graça Ottoni / Reprodução Instagram.


Como e quando começou sua relação com a moda e com o estilismo?


"Eu vivia atrás da minha mãe para que fizesse roupinhas para as minhas bonecas de pano. Ela costurava muito para todas nós mesmo não costurando bem, já que na época não havia condição para outra escolha. Além de gostar de brincar de criar e vestir as bonecas, eu aproveitava as bonecas de roupa nova e fazia leilões delas para ter dinheiro e comprar picolés. Então desde cedo eu já tinha uma intimidade com a moda e também comecei a desenvolver habilidades comerciais e administrativa, área que me dediquei no início da vida profissional. Em meados de 1976, estava no meu primeiro emprego como administradora na Secretaria de Planejamento e foi aí que comprei minha primeira máquina de costura, comecei a tirar molde através do Burda – revista de molde – e a confeccionar peças de roupas para vender para minhas irmãs."


Como foi o processo para estruturar a identidade forte que a marca tem hoje?


"Quando você está dentro do que vive é difícil enxergar muito além. Eu acho que hoje um grande diferencial na moda são os produtores de moda, o jeito que eles combinam as peças e misturam as peças, faz uma roupa boba e básica virar uma coisa maravilhosa! A combinação do fluído com o pesado, do transparente com o opaco, uma saia usada como blusa ou mesmo um acessório em um lugar inusitado, faz toda a diferença para enriquecer a criação."


"Muitas vezes mandei peças da marca para serem fotografadas em editoriais de revista e quando eu via o resultado, muitas vezes eu não reconhecia a minha própria roupa, de tanto que eles reinventavam" – Graça conta com um tom engraçado e curioso.

"Então eu acho que o produtor de moda hoje é muito importante para o mercado, muito! Dá outra visão. Tanto que quando vou fazer foto eu entrego tudo nas mãos da Mariana Sucupira. Me sinto tão segura com o trabalho dela que eu simplesmente não acompanho o dia de fotos, deixo ela fazer o que ela quiser. E a Mariana trabalhou um ano comigo enquanto estava formando em direito... Ela era louca com moda, mas não tinha experiência nenhuma, então a coloquei para ser minha assistente no estilo. Na época eu tinha outras produtoras de moda que faziam as campanhas pra mim, coloquei a Mariana para acompanhá-las e foi aí que ela se descobriu produtora nata."


Fotos: Campanha Inverno 2024 Graça Ottoni fotografada por Marcio Rodrigues / Styling feito por Mariana Sucupira


Como se deu o início da marca Graça Ottoni?


"Em 1980 tudo começou comigo investindo 400 reais, comprei 15 camisetas Hering, alguns materiais e customizei essas peças, assim começou a minha marca. Na época propus a uma das minhas irmãs que entrasse como sócia, investindo também 400 reais, mas ela ficou um pouco desconfiada do progresso da marca e acabei começando sozinha."


"Essas camisetas viraram marca registrada. Quando ficaram prontas, saí vendendo de porta em porta para lojas que revendiam outras roupas. Quando quis expandir o negócio para iniciar a confecção de outras peças tive muita dificuldade com tecido, isso coincidiu com a mesma época do grupo mineiro de Moda e com a época em que começaram a usar muito linho. O Grupo Mineiro tinha certo tipo de exclusividade de compra na Braspérola, mas eu não tinha acesso ao linho, os fornecedores eram muito exclusivos e não se produzia com tanto volume como é hoje."


Eu precisava diferenciar os tecidos que eu usava de alguma maneira, então veio a ideia de usar o tal do tecido INCA. Sabe o que é tecido INCA? - ela pausou a entrevista e me perguntou.

Eu achando que era algum tecido com origem da região do Peru, tecidos artesanais de povos originários... Ela me responde: Tecido INCAlhado! – na mesma hora cai na gargalhada.


"Adoro tecido esquisito! Gosto de pegar os tecidos que ficam parados entre uma estação e outra, e de trabalhar várias técnicas em cima deles, costuro, bordo, plisso, pinto... tornando-os mais ricos e exclusivos - completa a empresária do ramo da moda."


Foto: Campanha Inverno 2024 Graça Ottoni fotografada por Marcio Rodrigues / Styling feito por Mariana Sucupira


Se analisarmos bem o decorrer da história da marca, podemos dizer que Graça trouxe o conceito de upcycling antes mesmo da sociedade começar a discutir sobre sustentabilidade social e ambiental. Conseguir olhar para um tecido entender sua estrutura e enxergar seu potencial foi essencial para desenvolver e estruturar esta marca consolidada e com muita identidade que é a Graça Ottoni.


Nestes quase 45 anos de marca, qual a maior mudança que você percebe na indústria têxtil? A qualidade dos seus fornecedores é equivalente às suas expectativas?


"Existe um ambiente em que a gente vive e isso interfere em toda cadeia produtiva, quando diz respeito a importação e exportação. O Brasil vem oscilando bastante em seus posicionamentos político-econômico diante ao mundo e isso dificulta muito a relação de importação têxtil, já que tudo fica bem mais caro. A falta de investimento em produção local também dificulta o acesso à materiais têxteis diferenciados, com qualidade e preços minimamente acessíveis ao mercado."


"Para um tecido ser acessível, hoje em dia, ele precisa perder bastante propriedade natural e em algumas vezes, carrega em sua composição apenas fibras sintéticas. Por um lado isso pode ser uma questão problemática, pois tecidos feitos de fibra natural – como seda, linho e caxemira – costumam ter caimento mais sofisticado, toque agradável, permitem transpiração natural da pele sem causar mal odor e têm uma carga de rico processo artesanal de produção de milênios, por isso são considerados nobres. Por outro lado vivemos a era da tecnologia, o que permite que a cada ano a capacidade de produção têxtil nanotecnológica e sintética evolua cada vez mais, alcançando características de um tecido nobre e com custos um pouco menores."


Eu prefiro tecidos naturais e não gosto, por exemplo, do linho misto. Trabalho com linho puro, trabalho muito com algodão. Trabalho com tecidos tecnológicos que tenham uma aparência contemporânea, como a jaqueta com efeito "amassado" que fiz para a última coleção – os tecidos sintéticos nos permitem explorar mais texturas e efeitos de superfície sobre eles, assim como o plissado, por exemplo. A roupa vai ser bem sucedida se você faz uma boa escolha do tecido. Escolheu bem as características do tecido e conseguiu interpretar o que a peça que você vai produzir necessita? Então você já terá alcançado 75% do sucesso desta peça.

"O futuro da moda eu penso que não será tão diferente do que vivemos hoje ou há séculos atrás. Vejo que por fim o intuito da moda no âmbito prático e comercial sempre será uma demanda de solução para as questões estéticas das pessoas e claro, uma forma assertiva de comunicação visual, de como as pessoas querem se sentir e serem vistas" - completa Graça.


Fotos: Campanha Inverno 2024 Graça Ottoni fotografada por Marcio Rodrigues / Styling feito por Mariana Sucupira


Se hoje você fosse contratar um profissional de moda para trabalhar e criar com você, quais seriam as características indispensáveis para essa escolha?


"Olha, primeira coisa é o jeito da pessoa ser. Ela tem que ter várias características que eu sempre tive e que eu me identifique. Tem que combinar comigo! Não pode ser preguiçosa, não pode ser lenta, tem que gostar muito de que faz, da moda... Tem que ser perspicaz, tem que ir atrás, ser curiosa e proativa. E apesar de eu ser muito analógica, até mesmo pela minha idade, eu acho importante essa pessoa saber manusear bem ferramentas tecnológicas no geral, mas claro, sem dependência e com foco no desenvolvimento do que precisa ser feito no trabalho – hoje em dia as pessoas não conseguem ficar minutos sem dar uma olhadinha no celular. "


"Eu não acho que são necessariamente os estudos grandiosos e experiências internacionais que fazem um profissional ser qualificado, o primordial para mim são as características comportamentais, pois com isso a técnica é  facilmente passada e construída de forma conjunta e na convivência."


O que que você faz para se conectar com o processo de criação?


"Estou passando por esse problema neste momento. Estou iniciando o processo de criação do verão e pensando: como é que do nada eu começo uma coleção? São nesses momentos que começo a ver muitos filmes, leio e vivo a arte no geral."


"Em toda coleção de verão eu só consigo pensar em Capri! Eu li um livro há um tempo atrás que se chama 1934 em que a história se passa em Capri e eu sempre fico idealizando o cenário deste livro nas minhas coleções de verão. Mas no geral o que me inspira muito na criação é observar o povo na rua e ficar pensando nas situações rotineiras das mulheres que usam as roupas que eu faço, o que sempre me direciona, para além da estética, ao conforto e à mobilidade."


Foto: Campanha Inverno 2024 Graça Ottoni fotografada por Marcio Rodrigues / Styling feito por Mariana Sucupira


Navegando por vários assuntos de forma muito fluida e agradável, falamos também sobre o conceito de "belo", em que Graça pontua – " O julgamento com base no que é "belo" é uma definição equivocada já que a beleza é subjetiva a gosto, muda conforme o tempo, a cultura e a história. O bom gosto é muito mais profundo, não é possível se limitar a uma definição tão estreita sobre o que é bonito ou não."


"Mas uma coisa é certa, a indústria da moda cria com base em 3 características de desejo de consumo: a magra, a alta e a jovem - de preferência bonita. E a mulher real não necessariamente se encaixa nessas características de forma simultânea, eu prezo muito por enaltecer essa mulher real" - completa Graça.


Talvez, seja por essa concepção geral que Graça Ottoni tem sobre a moda, a criação e as pessoas, que sua marca chegou a mais de 40 anos de sucesso. Entender seu público e fazer a sofisticação de bons tecidos e peças bem acabadas harmonizar com a simplicidade que é existir neste mundo, tornou suas criações infalíveis, incomparáveis e garantiu o crescimento ininterruptos da marca.

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