Quando se pensa qual artista fez o melhor encontro entre a arte e a moda, é impossível não pensar imediatamente em Elsa Schiaparelli. Nascida na Itália em 1890, desde nova já mostrava ser alguém irreverente e fora dos padrões. Sua família fazia parte da elite cultural da Itália. Sobrinha de Giovanni Schiaparelli, o astrônomo que descobriu crateras em Marte, e filha, Celestino Schiaparelli, um especialista na cultura islâmica e reitor da Universidade de Roma, onde Elsa estudou filosofia.
FOTO: STUDIO DORVYNE (PHOTO BY ATELIER DORVYNE/ULLSTEIN BILD VIA GETTY IMAGES)
Por fazer parte da burguesia italiana, Elsa tinha sua vida muito controlada, o que fazia ela se sentir incompreendida. Desde a juventude tinha impasses com sua família, que foram fundamentais para o desenvolvimento da personalidade chocante da artista. Desde ser mandada ao convento por escrever um livro erótico à se mudar para Londres após ameaçar uma greve de fome.
DA ITÁLIA PARA PARIS
Em 1922, após se casar com um Conde charlatão, que a abandonou grávida nos Estados Unidos, Schiap (como chamavam os íntimos) teve o apoio de sua amiga Gabrielle Picabia, esposa do artista surrealista Francis Picabia, para se mudar para Paris. Era uma década efervescente na cidade, artistas surrealistas desenvolviam seus trabalhos na capital francesa e se reuniam para discutir assuntos culturais e sociais. Com esse pretexto, ela foi introduzida a nomes como Marcel Duchamp, Man Ray e ao estilista Paul Poiret. Em 1927, Schiaparelli lançou o histórico conjunto de tricô com estampa de laço em Trompe-l’oeil. Ele fazia parte da primeira coleção da artista, que chamou a atenção por ser uma das primeiras vezes que a técnica de ilusão de ótica foi utilizada em uma roupa. A peça, que fez grande sucesso nos Estados Unidos, foi considerada pela Vogue, na época, uma obra de arte.
FOTO: PRIMEIRO TRICÔ COM A A TÉCNICA TRUMPE D’OEIL / IMAGEM: REPRODUÇÃO (SCHIAPARELLI)
Em 1931, Elsa abriu sua primeira loja, chamada Schiaparelli – Pour le Sport, de roupas para baile, praia e esqui. A sua visão de moda conversava muito com a obsessão arquitetônica do avanço da construção de arranha-céus que acontecia nas últimas décadas. Ao afinar e propor uma silhueta reta, ela buscava não sensualizar a imagem da mulher.
REVOLUCIONÁRIA E VISIONÁRIA
Com o avanço na indústria têxtil na década de 1930, Schiaparelli tinha como objetivo trazer para sua marca as maiores inovações em termos de tecidos e aviamentos. Um exemplo disso foi quando, contra as regras da alta costura, inseriu zíper de nitrato de celulose em seus vestidos, deixando o aviamento exposto e visível para dar uma aparência futurista e mais funcionalidade para o cotidiano da mulher. Ainda maravilhada com a possibilidade da utilização de materiais sintéticos na moda, em 1934 ela desenvolveu a Capa de Vidro, uma capa transparente feita de um material semelhante ao celofane, que hoje nos recorda uma capa de chuva.
FOTO: EDITORIAL PARA HARPER’S BAZAAR SOBRE A CAPA DE VIDRO / REPRODUÇÃO
NASCE O ROSA-CHOQUE
É de sua autoria a cor rosa-choque. O tom fazia parte da sua assinatura, aparecendo em detalhes de roupas e acessórios. Ela foi criada para a embalagem do perfume Shocking, em 1937, cujo frasco inovador foi feito sobre a silhueta da atriz Mae West, considerado o corpo mais voluptuoso de Hollywood.
PIONEIRA NAS COLABORAÇÃO ENTRE MODA E ARTE
No ano de 1935, Elsa começa suas parcerias, que hoje são artefatos históricos e artísticos sobre o século XX. Entre suas colaborações mais célebres estão coleções com Jean Cocteau e Salvador Dali, sendo esse seu parceiro de criação de longa data. Dalí foi um grande colaborador na criação das joias, e um dos responsáveis por trazer com mais veemência o uso de joias em botões, abotoaduras e fechos, dando um astral de opulência para as roupas da estilista. Juntos, desenvolveram o Chapéu-Sapato (1936), feito em veludo preto; o vestido Lagosta (1937), uma peça de seda branca com uma grande lagosta pintada por Dalí na saia; o vestido de lágrimas (1938) feito para a coleção Circus, que era uma resposta ao avanço do fascismo e à guerra civil espanhola e o vestido esqueleto (1938), que trazia volumes acolchoados em forma de ossos.
FOTO: ELSA SCHIAPARELLI E SALVADOR DALÍ, REPRODUÇÃO
A SEGUNDA GUERRA E A PAUSA NA MARCA
Com o advento da Segunda Guerra Mundial (1939) e seus impactos, Elsa fechou sua casa de moda, se mudou para Nova York e viveu com a receita das vendas de seu perfume Shocking e palestras. Quando voltou para Paris em 1945, ela percebeu que o mundo pós-guerra não era o mesmo. Suas coleções não eram mais tão impactantes como antes pois suas criações ultra modernas não faziam sentido numa era de austeridade. Aos poucos, ela sai de cena, desmontando seu império criativo.
Em 1951, ela encerra sua linha de alta costura e em 1954 fecha as portas da maison, cheia de dívidas e ofuscada pela volta de sua rival Coco Chanel. Sua última aparição foi quando lançou o livro Shocking Life, a autobiografia com capa rosa choque, detalhando sua vida chocante, das passarelas para a história da moda e da arte.
Elsa Schiaparelli morreu em 13 de novembro de 1973, aos 83 anos, vítima de um AVC.
FOTO: PRIMEIRA EDIÇÃO DO LIVRO SHOCKING LIFE, AUTO-BIOGRAFIA DE ELSA SCHIAPARELLI / KURT GIBBERT
FONTE: GABRIEL FUSARI FFW
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